Entre fenômenos esportivos e “meros mortais”, todos falidos. E o Talento?
Professor Marcelo Massa – Setembro de 2019
Relutei um pouco a escrever, mas há tempos que durante aulas e palestras esse tema vem à tona. Na verdade, afora sua premência no Esporte, é evidente que o problema é muito mais amplo, atingindo a todas as camadas da sociedade.
Sem compromissos mais profundos e abstraído de qualquer responsabilidade antropológica, sociológica ou mesmo psicológica, apenas munido de reflexões e fatos, parece razoável admitir que o Brasil apresenta um quadro bastante crônico – e grave -de falência.
Não me refiro à falência econômica/comercial. O Brasil, antes de tudo, infelizmente, é portador de uma categoria de falência extremamente nociva e contumaz: a falência humana. Assim, como princípio de qualquer comportamento e atitude, falidos, saímos por aí propagando valores distorcidos, razões dicotômicas e conclusões sem fundamentação, escorregadias e perigosas.
Inclusive, polarizar discussões e julgamentos se tornou hábito frequente e comum, sobretudo com o advento das redes sociais – onde todos somos grandes especialistas sobre nada. Sim, interessante notar o fenômeno recente dos períodos pré-eleição/eleição/pós-eleição, nos quais nos tornamos cientistas políticos baseados em fakenews, vestimos camisas partidárias duvidosas e saímos por aí desconstruindoamizades e gerando discussões que vão do nada a lugar algum. Enquanto isso, a falência humana é alimentada e se desenvolve.
O cotidiano, por exemplo, é um prato cheio de distorções aplicadas a falência humana. Infestado de paradas em fila dupla nas portas das escolas, passagens pelo acostamento, paradas em vagas para deficientes, furadas de fila, desrespeito às normas e leis, aos mais velhos, aos professores, autoridades, hierarquias e, sobretudo, ao próximo.
Assim, agimos sob um combustível inflamável, raso e pobre, que envolve tirar vantagem de tudo e todos – a qualquer preço. Nessa perspectiva, mais importante que valores como – estudar, ler, treinar, se esforçar, ser comprometido, se desenvolver e conquistar, por mérito – é o “ter” e/ou “parecer ser”.
O “parecer ser” está na moda. Pessoas hoje, não são e não se empenham para ser, mas demonstram o vazio do “parecer ser”. Querem ser (ou ter), mas não se empenham e não fazem por merecer. Então, para estas pessoas, basta a malemolência decadente do “parecer ser” – elas não se movem, mas sugam, esbravejam, ora se fazem de coitadas, cobiçam, invejam, levantam bandeiras, mas a essência é pautada no nada. Imagem nota mil, atitudes nota zero = falência humana. Vide o fenômeno “instragram”, no qual todos somos famosos anônimos, produtos sem procedência e comprovação são vendidos, coachs experts em nada se proliferam etc.
Nessa esteira, algumas pessoas exaltam a entidade “ter”. São pessoas orientadas a motivações exclusivamente dependentes de recompensas extrínsecas, consequentemente, tão fúteis, temporárias e empobrecidas.
Evidentemente, como parte dessa sociedade, também para nossa tristeza, no Esporte, os comportamentos não tem sido nada diferentes – e assim o é desde a antiguidade. Se observa, inclusive, que em alguns casos o Esporte parece potencializar e expor ainda mais a falência humana. Assim, até mesmo o desempenho esportivo e o talento são reféns da falência humana. Desempenho e potenciais talentos têm sucumbido aos nossos olhos quando estreitam laços com a falência humana. Atletas antes de tudo são humanos e, como tal, consequentemente, se dopam, burlam regras, não se dedicam aos treinos como deveriam, não se comprometem, não respeitam seus colegas, não respeitam seus adversários, não respeitam seus treinadores, não respeitam seus patrocinadores, não respeitam entidades, clubes e equipes que representam, não respeitam a torcida etc.
Sim, em todos os domínios da vida, conforme Jean Paul Sartre, “não importa o que a vida fez de você, mas o que você faz com o que a vida fez de você”. Especificamente no movimento esportivo brasileiro, os últimos tempos registraram demonstrações muito interessantes da falência humana.
Por exemplo, no futebol, uma sequencia bastante turbulenta de atitudes desmedidas e impensadas catapultou, mais uma vez, o jogador Neymar à posição de vilão, dentro e fora de campo. Neymar não respeita hierarquias, colegas, torcedores, patrocinadores, regras. Neymar não possui ética e “fair play”, pilar significativo do alto nível de rendimento esportivo e do talento esportivo. Neymar, sem o pilar do “fair play”, tem seu talento sob suspeita – e tem sido assim desde sempre. Por outro lado, na contra mão dos valores que acreditamos, mesmo assim, Neymar foi convocado para a Seleção Brasileira. Oras, que modelo é esse que atribui vantagem e premia a quem pouco demonstra disciplina, pouco se esforça e merece. De lado a lado, falência humana. De quem não se esforça e também de quem o convoca. Mas, para alguns, parece que dinheiro paga tudo. Ou seja, novamente, é o “ter” x “ser”.
Ainda na esfera do Futebol, nesta semana, outro brasileiro conseguiu destacar, também mais uma vez, sua contribuição para a falência humana. Ganso, já reincidente desse comportamento desde a sua aparição para o futebol profissional, quando solicitado para retomar a linha de marcação por seu treinador, deu de ombros e não cumpriu o direcionamento dado. O treinador, autoridade responsável pela equipe, ao se deparar com a conduta de indisciplina tática, não hesitou e de imediato determinou a substituição do jogador. Pasmem, o jogador saiu de campo e, com a indiscrição das câmeras em close, todos pudemos ser impactados com suas deploráveis palavras e gestos de desrespeito ao treinador e a hierarquia. Ganso, com essa atitude, desrespeita o treinador, os colegas, a instituição, os patrocinadores e os torcedores. Ganso, carregado de intolerância, prepotência, arrogância, vaidade etc, desfila pelos gramados a demonstração clara do quanto o talento sucumbe ao pilar da ética e do fair play, e é desperdiçado. Por outro lado, como desdobramento, o clube Fluminense demitiu o treinador Oswaldo de Oliveira, que também mais uma vez não deixou a desejar no quesito da falência humana, perdendo razão quando retribuiu aos xingamentos do jogador Ganso e da torcida. Ou seja, de lado a lado, mais uma vez, show de horror: do jogador, do treinador e também do Fluminense.
O talento esportivo é composto por pelo menos 3 grandes e complexas dimensões: a física, a cognitiva e a comportamental. O Brasil e o Esporte Brasileiro precisam acordar. Muitos de nossos atletas são empobrecidos da dimensão comportamental, que envolve justamente o tipo de motivação, a ética, o caráter, a personalidade e o fair play.
Sim, concordemos, todos nós e também os atletas não somos perfeitos – ninguém o é. Porém, se desejamos interferir positivamente no processo de desenvolvimento de novos talentos esportivos, é eminente que o trabalho seja incorporado da dimensão comportamental do talento. Gosto de apreciar nosso estimado Guga (do tênis), que nos deixou e ainda marca presença num movimento que indubitavelmente deixa um legado incrível para o esporte e para a vida. Ainda no tênis, temos a preciosidade de acompanhar a trajetória de Federer e Nadal. Adversários e cumplices, de conquistas, superação, dedicação, resiliência, longevidade esportiva, ética e fair play. Federer e Nadal, não por acaso, talvez sejam a demonstração mais límpida do que é ser “atleta”. Mais que “ter”, Federer e Nadal “são”. Marcam a história, se entregam ao máximo, deixam legado e deleitam o público apaixonado pelo esporte em cada episódio de superação e grandeza, que envolve vitórias e derrotas. Ser grande e talentoso é, inclusive, reconhecer a vitória do adversário.
Em contrapartida, no futebol brasileiro, façamos um exercício rápido: quem são nossos talentos recentes: Romário? Ronaldinho? Ronaldo? Adriano? Robinho? Neymar? Será que eles possuíam e/ou possuem a dimensão comportamental do talento bem trabalhada e desenvolvida, de maneira a potencializar suas escolhas, desempenhos, ética, fair play, bem como a longevidade na carreira? Que legado eles deixam? São vilões ou vítimas dessa sociedade falida e doente de valores?
Sim, muitos ganharam e ganham muito dinheiro. Talvez dinheiro suficiente para todas as gerações da família. Mas, como costumo dizer: Federer e Nadal também ganharam muito dinheiro! Contudo, para eles, dinheiro é mera consequência daquilo que – de maneira muito nobre – entregam dentro da quadra. Portanto, que tipo de atleta você quer ser? Que tipo de atleta você quer formar? Que tipo de atleta você gostaria que seu filho fosse? Ricos de dinheiro, oras, todos podem ser! Porém, construir uma história rica e deixar um legado, é para verdadeiros Talentos!
Portanto, quem queremos ser? Para que tenhamos escolha, antes, precisamos aprender! Talento se desenvolve! O que estamos fazendo pelo desenvolvimento de talentos?
(p.s. o presente texto objetiva, única e exclusivamente, promover reflexões e não julgamentos)